É, provavelmente, uma das sobremesas mais famosas no Minho. Não importa a altura do ano ou a época festiva, qualquer desculpa é boa para garantir que o pudim Abade de Priscos é o “rei” da mesa. Para muitos, é uma receita fácil de fazer mas difícil de acertar. Há quem aconselhe a seguir à risca a versão tradicional, sem cortar no açúcar. Outros sugerem confecioná-la com os ingredientes à temperatura ambiente.
Contudo, todos concordamos que não há nada como uma receita tradicional, como aquelas feitas pelas mães, avós ou tias. Com a Páscoa a aproximar-se, a New in Braga quis trazer-lhe a receita ideal para ter um pudim Abade de Priscos no ponto: de textura aveludado, pouco denso, que se derreta na boca, com a quantidade de vinho do Porto certa, com o caramelo numa cor castanho quase dourado e que não seja nem muito sólido nem muito líquido.
Esta sobremesa é originária da freguesia de Priscos, em Braga. Reza a lenda que o seu nome é em homenagem ao abade cozinheiro, Manuel Joaquim Machado Rebelo. No século IV começaram a surgir os primeiros abades, governantes dos mosteiros. Além desta ligação espiritual, estas figuras eram conhecidas pelos seus dotes e talentos nas mais variadas áreas profissionais. Existiam abades que se dedicaram à construção, outros eram guerrilheiros e alguns que tinham uma vocação mais virada para as pessoas.
Entre os abades que marcaram a história de Braga, não podemos deixar de destacar aquele que, entre muitos outros, deixou um dos patrimónios gastronómicos identitários do Minho: o abade Manuel. Segundo contam as histórias, Manuel era conhecido na freguesia de Santiago de Priscos pelo seu talento a engomar roupa, costurar e bordar. Porém, foi o seu dote culinário o que lhe deu fama, tendo sido considerado um dos maiores cozinheiros do século XIX.
Todos acreditavam que este abade transformava, através de uma perícia e perfeição inigualáveis, as suas refeições com pura magia. Os seus pratos eram sempre caracterizados por uma “explosão de sabores” e os segredos estavam todos guardados em forma de temperos na sua mala de cozinha.
Em outubro de 1887, foi convidado para preparar o banquete real, na Póvoa de Varzim, para receber a visita de El-Rei D. Luís e a sua família. O desempenho do abade foi tão excecional que o monarca mandou chamá-lo para conhecê-lo e saber qual a composição daquele prato delicioso e único (o pudim de Abade de Priscos).
O abade, com uma resposta inesperada, sorriu e afirmou: “Era palha, real Senhor!”. Isto desencadeou o espanto de todos os presentes e a pergunta incrédula do rei: “Palha? Então dá palha ao seu rei?”. Mais uma vez, de forma misteriosa, o abade esclareceu: “Majestade, todos comem palha, a questão é saber dá-la”.

Anos mais tarde, Pereira Júnior, diretor do Magistério Primário Feminino de Braga no antigo Convento dos Congregados, pediu ao Abade de Priscos receitas para ensinar no magistério. Diz-se que esta foi uma das poucas especialidades que deixou passar para o público.
Virados todos estes anos, o legado do abade continua vivo e tudo graças a esta sobremesa. Um pouco por todo o País, são diversos os restaurantes, desde os mais clássicos aos mais conceituados que fazem questão de incluir esta proposta no menu. Um desses exemplos é a mais recente cervejaria em Braga, dirigida pelo chef vimaranense, Pedro Canha. Inspirado nas influências da família, utilizou uma receita antiga da tia para incluir o pudim Abade de Priscos no espaço. “O que tento fazer aqui é desconstruir as receitas dela. Neste caso, por exemplo, o pudim é finalizado na mesa com redução de vinho do Porto e flor de sal”, explica à NiB.
Mais recentemente, a 29 de março, Braga ganhou um novo Centro Interpretativo que não só homenageia e conta as histórias e influências dos abades da região, como tem um espaço dedicado exclusivamente ao pudim. Por lá, pode conhecer a mesma cozinha onde nasceu esta receita única, permitindo aos visitantes ficarem a par de mais de 40 formas de pudim da época, bem como a famosa forma adquirida pelo abade em França. O espaço é gerido pela paróquia da freguesia que “quer manter vivo o legado da tradição”.
Apresentações feitas, vamos à receita. A mesma é uma proposta do blogue “7 gramas de ternura”, gerido pela bracarense Maria José que quis aliar a sua paixão pelos tachos e a fotografia. A jovem aprimorou a receita do chef Silva, e entre as recomendações, aconselha cozer o pudim em banho de maria no fogão. “Tapo bem a tampa com papel vegetal e deixo o pudim cozer muito lentamente. É uma verdadeira delícia, embora uma verdadeira bomba calórica. Mas um dia não são dias e a vida já é azeda vezes demais”, admite.
Do que precisa
Para o pudim:
— 15 gemas
— 400 gramas de açúcar
— 1 pau de canela
— Meio litro de água
— 1 casca de limão
— 50 gramas de presunto (com um pouco de gordura)
— 1 cálice de vinho do Porto.
Para o caramelo:
— 200 gramas de açúcar
— Um quarto de água.
Como se faz
Comece por fazer o caramelo com o açúcar e a água. Quando estiver com uma cor dourada, depois de uns minutos a mexer a fogo médio, retire do lume e junte mais um pouco de água, com muito cuidado para não se queimar e barre na forma do pudim. Reserve até endurecer.
De seguida, leve ao lume o açúcar com a água, a casca de limão, a canela e o presunto. Deixe ferver até atingir ponto de fio, isto é, 103 graus, pode usar um termómetro de cozinha para verificar a temperatura. Reserve para arrefecer um pouco. Depois, passe as 15 gemas através de um passador de rede, para lhes retirar a película branca, adicione o vinho do Porto e mexa ligeiramente para não espumar. Por fim, junte a calda em fio e envolva.
Deite o preparado na forma, tape com uma folha de papel vegetal e coloque a tampa por cima. Leve a cozer em banho maria, com água até ao meio da forma, cerca de 50 minutos. “Um dos truques para o pudim ficar cremoso é que não se pode deixar ferver muito a água do banho maria. Caso aconteça, adicione mais água fria e deixe cozer lentamente”, aconselha Maria José. Passados os 50 minutos, retire o pudim da panela, destape-o e deixe arrefecer, idealmente de um dia para o outro.