A vida de Thomàz Mazzei podia ter terminado numa estrada em Nebraska, nos Estados Unidos. Mas foi ali, entre o ferro retorcido de uma mota destruída e a incerteza de um corpo em coma, que nasceu o escritor que hoje vive em Braga e inspira milhares de leitores com histórias sobre dor, fé e renascimento.
Natural da Calábria, no sul da Itália, e também com cidadania brasileira, Thomàz tem 25 anos e encontrou em Braga o refúgio que precisava depois de um dos períodos mais sombrios da sua vida. “Depois do acidente, eu só queria respirar e recomeçar. Vim para cá porque precisava reconstruir tudo — o corpo, a alma e o sentido de existir”, conta.
Antes da escrita entrar em cena, a fotografia era o centro da sua vida. Apaixonou-se pela arte ainda em miúdo, quando pegou numa câmara analógica aos seis anos, aprendendo os primeiros truques com o pai. “A fotografia sempre foi o meu olhar sobre o mundo”, diz. O talento levou-o de Londres até Omaha, nos EUA, onde estudou fotografia e começou a trabalhar como freelancer em eventos. “A imagem traduzia o que eu não conseguia dizer em palavras.”
Mas o destino tinha outros planos. Em agosto de 2023, Thomàz seguia de mota para cobrir um evento quando uma pick-up atravessou o cruzamento e o atingiu violentamente. “Lembro-me apenas do barulho, depois o vazio”, recorda. Sofreu múltiplas fraturas — no fémur, na bacia, nos pulsos e no joelho — e um edema cerebral que o deixou em coma durante um mês. “Os médicos não acreditavam que eu fosse acordar. Disseram que seria um milagre se voltasse a andar.”

A recuperação foi longa e dolorosa. Entre cirurgias e fisioterapia, Thomàz teve de reaprender a andar e a aceitar as limitações físicas que ficaram. “Hoje, vivo com próteses de titânio e algumas dificuldades de mobilidade, mas não deixo que isso me defina. A dor tornou-se parte da minha força”, afirma.
Foi nesse processo que algo dentro dele mudou. “O acidente rasgou-me por dentro e por fora. Antes, eu corria atrás do mundo; agora, busco o que tem alma.” A experiência quase fatal levou-o a mergulhar na espiritualidade — Thomàz é kardecista, seguidor da doutrina fundada por Allan Kardec, que acredita na reencarnação, na evolução espiritual e na comunicação entre o mundo material e o espiritual. Foi nesse contexto que transformou o trauma em arte. “Escrever foi a forma que encontrei de sobreviver, de dar sentido à dor.”
Dessa necessidade nasceu “O Príncipe Sombrio: Entre Deuses e Mortais”, lançado no final de 2024, o seu primeiro livro e o início da trilogia “The Dark Prince”. A obra mistura mitologia egípcia, espiritismo e fantasia urbana, seguindo a história de Khan, um jovem que descobre ser filho de Anúbis, o deus dos mortos. “Por trás da mitologia está o meu próprio renascimento. Khan atravessa a morte e volta transformado, como eu.”
Agora, o escritor apresenta o seu novo projeto, “Beneath the Dark City” (Sob a Cidade Escura, em português), uma ficção urbana e espiritual ambientada em Manhattan, publicada pela sua editora independente Wolf & Quill Press. O livro acompanha Thomas Wolff, líder de uma gangue dividido entre o crime, o amor e a salvação da própria alma. “É uma história sobre redenção, perdão e amor verdadeiro. Escrevi-o para celebrar dois anos de sobrevivência”, explica.
Thomàz terminou o manuscrito exatamente no dia 26 de agosto de 2025 — data em que completou dois anos do acidente. O lançamento aconteceu na passada sexta-feira, 31 de outubro, num gesto simbólico de encerramento e renascimento. “Fechar o livro naquele dia foi especial. Era como se o ciclo se encerrasse. Eu sobrevivi, e agora queria mostrar que é possível renascer do caos.”
A obra está disponível em português e inglês, nas versões física e digital (16€ e 7€, respetivamente), e pode ser encomendada pela Amazon ou diretamente através do site da editora. Além de escrever, Thomàz é também fotógrafo e designer gráfico, funções que exerce na Wolf & Quill Press, que fundou para publicar as suas histórias e ajudar outros autores independentes com edição e design editorial.
Para ele, a arte é mais do que expressão — é cura. “Quando não tinha mais nada, nem corpo inteiro, nem esperança, foi a arte que me segurou. É o que me liga à humanidade e ao divino ao mesmo tempo.” O autor acredita que tanto a escrita como a fotografia são “canais de comunicação com os Espíritos de Luz”, entidades que, segundo a doutrina espírita, auxiliam o progresso moral e espiritual da humanidade.

“Beneath the Dark City” reflete essa ligação entre o material e o espiritual. “Quero que os leitores entendam que mesmo nas ruínas há beleza. Que o perdão liberta e o amor cura. Como dizia Allan Kardec, ‘perdoar é libertar não apenas o outro, mas também a si próprio’”, sublinha.
Os próximos planos incluem novas obras que unam espiritualidade, psicologia e realidade urbana. “Tenho mais livros a caminho, todos com essa essência: falar da alma humana através das sombras”, revela. Também pretende regressar à fotografia, mas com um novo propósito: “Quero usá-la para mostrar a importância de cuidar da natureza e do planeta. O próximo passo é estudar Ciências Ambientais e ligar arte e consciência ecológica.”
Hoje, em Braga, Thomàz leva uma vida tranquila e introspectiva, dedicada à escrita e à recuperação contínua. “Braga deu-me paz. Aqui consegui reaprender a existir”, confessa.
No final, o autor deixa uma mensagem que reflete tudo o que viveu: “Não desistas. A dor não vem para punir, vem para lapidar. Se transformares o sofrimento em criação, ele deixa de te destruir e passa a te reconstruir. Nada acontece por acaso. E se eu, que estive entre a vida e a morte, estou aqui hoje, é porque ainda há histórias a contar.”

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